FNQ – Fundação Nacional da Qualidade Entrevistas – Francisco Paulo Uras *
Mais do que implementar sistemas de trabalho com descrições e medições de cada atividade, uma gestão por processos necessita de visão sistêmica. Sem ela é impossível perceber como o todo significa muito mais do que uma simples soma das partes. Diferentemente da tradicional gestão de processos, que prevê os detalhes em cada sistema em operação, uma gestão por processos pode ser descrita como um trabalho dinâmico e em rede.
Por isso, cada alteração precisa ser muito bem avaliada antes de ser colocada em prática.
Uma mudança dentro de um sistema de gestão por processos pode, como no famoso efeito borboleta – aquele conceito em que o bater das asas de uma borboleta na Flórida pode levar a um vendaval na Ásia –, trazer danos ou vantagens na outra ponta da produção. Uma boa gestão de processos, mais do que sistematizar, é saber integrar e obter sinergias.
Quem explica o funcionamento desse emaranhado de operações é Francisco Paulo Uras, engenheiro eletricista, consultor de gestão e qualidade, examinador Sênior do PNQ desde 1992.
FNQ – Qual a diferença entre gestão por processos e gestão de processos? Francisco Uras – Gestão de processos significa que há processos sendo monitorados, mantidos sob controle e que estão funcionando conforme foi planejado. Quando se fala em gestão por processos, procura-se ver a organização de forma mais ampla. Vários processos estão interagindo e a gestão olha isso como um todo. Exemplificando: dentro de uma organização você tem a área de suprimentos, de logística, de produção, comercial, entre outras, e cada uma tem o seu processo controlado. No conceito mais tradicional, cada área procura ter a gestão do seu processo e otimizar sua performance. Pelo modelo da FNQ, a gestão por processos implica em trabalhar esse conjunto sob a óptica da visão sistêmica, enfim, gerir considerando a interação entre os processos e entre esses e o ecossistema.
Como são identificados os processos principais do negócio e os processos de apoio? A identificação passa por um outro tema bastante importante que é a agregação ou a Geração de Valor, que também faz parte dos Conceitos Fundamentais da Excelência, da FNQ. Tudo o que se faz tem um valor inicial que costuma ser ampliado ao passar por um processo. Ao olhar o negócio como um todo, podemos dizer que os processos principais são aqueles que agregam valor diretamente ao que será entregue ao cliente, enfim, aqueles que são percebidos, seja nos produtos ou serviços. Os outros, necessários para se chegar ao resultado, mas que o cliente não nota, são considerados de apoio. Na fabricação de uma peça, por exemplo, pintura e embalagem são itens facilmente perceptíveis (processos principais), já a manutenção do equipamento que produz a peça é de apoio.
Como deve ser uma boa gestão de processo de relacionamento com fornecedores e clientes? Ela deve procurar maximizar o valor agregado sem prejudicar outras atividades. Essa é a razão pela qual a visão sistêmica é tão importante. É comum em uma gestão de processo as pessoas procurarem maximizar apenas a sua atividade sem pensar na influência do todo. Isso pode ser perigoso, por exemplo, se alguém da área de vendas comercializar mais do que a fábrica pode produzir. Uma parte do que foi vendido não será entregue no prazo, prejudicando o todo. Um exemplo clássico é o overbooking. As empresas estavam procurando aumentar seus ganhos e os gestores estavam querendo otimizar a produção, garantindo que os aviões saíssem sempre lotados. De certa forma, isso funcionou durante uma época. Mas começou a causar problemas porque faltou a visão sistêmica de analisar qual seria o prejuízo potencial maior dessa prática. Ter um avião com alguns lugares vagos e não ter nenhum problema sério com os clientes ou ter todos os aviões sempre com 100% de ocupação, mas sofrer processos e ter a imagem prejudicada, entre outros prejuízos? Podemos ir mais longe e chegar até um acidente pavoroso, como tivemos há tão pouco tempo. Isso foi uma junção de fatores, como overbooking, excesso de carga, incompetência de autoridades, entre outros. Mas, seguramente, também faltou essa visão sistêmica de cada parte (empresas e autoridades) com foco em suas áreas.
Como a organização assegura os recursos financeiros necessários para atender às demandas operacionais de uma gestão por processos? É um dos problemas cotidianos do gestor. Ela precisa ter um controle do fluxo de caixa, buscar equilíbrio de tudo o que está recebendo e está pagando. Como isso nem sempre é estável e permanente, é preciso ter fontes de recursos às quais possa recorrer para suprir emergências.
Como foi a evolução histórica da gestão por processos no Brasil? Inicialmente, as organizações enxergavam apenas a visão individual, de cada processo. O movimento da ISO ajudou muito a organizar e a padronizar, mas ainda assim era uma gestão de processos. A gestão por processos veio ao longo do tempo, na medida em que o foco passou da excelência operacional para a excelência da gestão. Sua evolução ainda está em curso na medida em que as empresas passam a ter uma visão sistêmica maior, a perceber que se olharem o todo terão um resultado melhor do que a soma das partes.
Como se percebeu que a gestão por processos seria um sistema eficiente? A evolução foi natural dentro da necessidade do aumento de competitividade. As exigências do mercado aumentaram e as margens de lucro diminuiram. Só conseguiria acompanhar o movimento econômico quem tivesse um sistema produtivo mais eficaz. Eu diria que é uma seleção natural. Onde existe o mercado com monopólio essa preocupação não é tão evidente. Infelizmente, ainda existem muitas empresas que funcionam sem um esforço sistemático de busca para a excelência de sua performance.
Que aspectos as organizações devem considerar para estabelecer uma gestão por processos? Deve se levar em conta que toda empresa é um sistema, o que é bastante visível para a grande maioria dos gestores. Empresa não é um conjunto de departamentos no qual cada um procura sua excelência própria, mas é um sistema como um todo. A organização precisa conhecer seus processos, mapeá-los, detalhá-los. Sem isso é difícil saber quais atividades agregam valor, e isso dificulta a implantação de uma gestão por processos.
É um sistema possível de ser aplicado em empresas de qualquer setor e porte? Sim. Ele se aplica totalmente tanto a uma micro quanto a uma grande empresa.
É mais difícil implantar um sistema de gestão por processos em uma micro ou em uma grande empresa? É mais difícil nas de grande porte, mas não por uma questão técnica, e sim pelo volume e quantidade de interações. Em compensação, uma empresa de grande porte tem mais recursos que uma micro para se implantar um sistema.
Como se avalia uma gestão por processos? A FNQ tem uma excelente ferramenta para essa avaliação, que são os requisitos que se encontram nos Critérios de Excelência, especificamente no Item 7.1, que trata da diferenciação entre os processos principais e os de apoio. Eles disponibilizam uma “régua” para se avaliar até que ponto a operação está alinhada aos conceitos mais atuais de gestão por processos.